quarta-feira, 26 de maio de 2010

Crônica; "Diários"


Londres, 20 de Janeiro de 2008

É, hoje foi um dia difícil e chuvoso. Ainda que bonito. Pensando em fatos e casos da vida e de outras pessoas, penso em escrever alguma coisa.
Nunca fui bom em escrever histórias. Resolvi escrever uma pra contar para ninguém.

"Ela era uma menina quieta demais pra quem tem tantos assuntos dentro da cabeça. Simples e com um olhar baixo, pensava na sua vida como quem pensa em uma coleção numerada de selos, ou discos. Tomava decisões como quem movia uma peça no xadrez sem tabuleiro.
Observava as pessoas atrás do vidro do caixa do pub em que trabalhava na baixa Londres. Em meio a notas, contas, cantadas e bêbados que pensava suas diferenças, empatias e simpatias em comum com elas. Pensava se alguma já passou por qualquer coisa que ela passara. Talvez, alguma dela mudaria sua vida? Talvez, não, nenhum Cavalo encontraria seu Rei sem as marcações do tabuleiro.
Ao final de cada expediente, Mary escrevia em seu diário tudo que pensava sobre cada fato, pessoa, ou situação. Passava conselhos, brincava com as diferenças atrás do escudo do seu desconhecimento das pessoas atrás da sua barreira de vidro. Espunha opiniões sobre os casais nas mesas, os homens de terno, os torcedores, os comediantes, os músicos, as divorciadas, os roqueiros, funcionários, ou qualquer um afogando seus desgostos em um pint de cerveja.
Seu diário era seu próprio pint de cerveja. Válvula de encontro pro seu escape.

Ali escrevia como era bom ser independente e poder escrever o que queria. Escrevia como se o mundo lê-se.
Desenhava tatuagens que um dia iria fazer, em meio a textos sobre música, amigos, a falta deles e de ninguém ao seu lado.
Certo dia, com medo de perder o último ônibus, escondeu seu diário embaixo do caixa, seguro, partiu pensando; "Ninguém vai ver..."

.

Ele não sabia nem por onde começar. Aperta a válvula, vira o copo, corta a espuma? Ou vira o copo, aperta a válvula? Enfim, seu primeiro dia como garçon começava mal. Já se via conversando demais com os clientes sobre filosofias baratas, futebol e música velha.
Gostava de conversar, mesmo com sua vergonha, puxar conversa com o jovem garçon tornou-se rotineiro aquele dia para diversos clientes. O chefe o mandou para o caixa no periodo da tarde. Observando como um turista vislumbrado encontrou um diário.
Ao driblar sua honestidade com um chapéu na curiosidade, se encontrava lendo-o a 2 horas.
E durante dias, lia e esperava ansiosamente a 'edição' do dia seguinte. Ia embora sempre no começo do turno da noite.

Ela chegava rigorosamente no começo do turno da noite. Todos os dias notando seu diário fora do lugar da noite anterior.
Seu 'mundo' estava sendo lido. Resolveu testar, escreveu em seu diário; "Quem é você?"
Na próxima noite, ao abri-lo encontrou a resposta; "Eu sou o seu diário, oras!"
E assim foi durante, dias, meses, ela soube quem era ele, e ele, quem era ela. Se conheçeram, e o resto vocês já devem imaginar por conhecerem qualquer outra história glichê.
Trocaram os horários, trabalharam juntos, e tudo mais.

Passou um ano. E ela não trabalharia mais no pub. Não sabia como contar. Simplesmente sumiu.
Ele, continuou mesmo assim o diário que ela deixara para trás, rigorosamente, todas as noites. Mesmo ela não escrevendo mais enquanto estavam juntos. "Este diário é para pessoas sozinhas."
Agora fazia sentido pra ele escrever.

Ao final de um mês ela volta ao pub. Ele não está lá ainda. Abre o diário. Escreve alegre; - "Você ainda escreve aqui, mesmo?"

- "Sempre. Aonde você estava esse tempo todo?"
- "Lendo seu diário. Passo aqui todas as manhãs."
- "Esse diário é para pessoas sozinhas..."

Ela pegou o diário e voltou pela noite seguinte. Encontra-o trabalhando. Abre na seguinte página e mostra os dizeres a ele;
- "Você não vai precisar mais dele!"

Assim ela fecha seu diário..."


Tomara que ninguém leia.

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Sentado na beira da cama, apaga a luz, guarda a caneta, acende o abajur.
Lê o que acabara de escrever.

Assim ele fecha seu diário...

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